sexta-feira, 22 de junho de 2012

A Delegação Global do Poder

"A delegação do poder é inevitavelmente global quando o sistema de eleição está fundado em circunscrições territoriais: o regime de "democracia representativa" foi instituído pela burguesia após um longo período de luta e de "duplo poder",o dos senhores feudais e o das comunas burguesas.
Este carácter global e aberrante não decorre  só de eleições com base territorial,mas também do facto de o sistema de "democracia representativa",sob a sua forma burguesa,ter sido segregada pela economia de mercado.
Como tal,o sistema parlamentar,nos seus começos,constituiu um grande progresso.
Mas esta forma parlamentar  de democracia representativa,saída do mercado e constituída à sua imagem quer para exercer a função de «Estado guarda-nocturno»(um Estado que garante a «regra de jogo» do mercado)apoiado pelo capitalismo liberal,quer para dar a sua ajuda,os seus estímulos e os seus previlégios aos grupos de pressão mais poderosos,apoia-se,como o mercado,numa concepção estatística do homem: o cidadão é uma abstração(hipocritamente,poêm-se entre parênteses o seu poder económico de pressão ou a sua impotência económica).
Formalmente,o milionário proprietário de uma «cadeia» de jornais só dispõe eleitoralmente de um voto,como o mais humilde dos cidadãos.Quer isto dizer que o seu poder político é igual?
De facto, a mentira estatística do "sufrágio universal" dissimula desigualdades flagrantes: desigualdades de participação na vida política devida à diferença dos níveis de cultura e à profissionalização das "carreiras políticas"; desigualdades devidas aos "grupos de pressão" tais como o do automóvel,da especulação imobiliária ou do armamento.
Reciprocamente,o carácter de classe do Estado,decorrente destas desigualdades,exprime-se pela política de impostos,favorecendo os mais afortunados em detrimento dos outros,por uma política social irrisória,pelo jogo das subvenções ou das reduções das taxas dos grandes senhores da terra,da industria ou do comércio,pelas descriminações sociais--não de direito,mas de facto--na distribuição da educação,pelos privilégios dos monopólios,pelas despesas em armamento em benefício de algumas grandes firmas privadas,pois as despesas militares fazem parte integrante de um regime dominado pelos monopólios e servem com frequência de regulador a curto prazo para evitar as crises e o desemprego.O exemplo americano das "guerras locais" para manter a conjuntura,como escrevia o Wall Street Journal no tempo da guerra da Coreia,é característico.
Nestas condições,o cidadão está atomizado,considerado formalmente como um "indivíduo",que não tem mais relação no plano eleitoral,com o seu vizinho territorial,que o comprador no mercado.
Os vendedores de política(os partidos) apresentam-lhe produtos fabricados(os programas) e utilizam na sua concorrência todas as formas do marketing e da publicidade.O sistema dos partidos políticos é um corolário da economia de mercado.A consequência fundamental mais nefasta deste sistema de "delegação de poder",é a alienação política do cidadão ao seu eleito ou ao seu partido.Jean-Jaques Rousseau  já notava no seu Contrato Social: "O povo inglês julga que é livre,mas engana-se cruelmente,pois só é livre durante as eleições dos membros do Parlamento; logo que são eleitos,é escravo,já não é nada."
Com efeito,o regime parlamentar,tal como funciona ainda hoje,não é senão o herdeiro do absolutismo real,na concepção da soberania: funda-se no postulado segundo o qual todo o poder se deve concentrar na cúpula.É lá que se enfrentam cegamente,de forma estatística,as forças em presença.Quem poderá,por isso,a menos que seja cego,considerar como um acaso da história o facto de todas as "democracias representativas" do mundo capitalista,fundadas numa concepção individualista,atomística e formal do homem estatístico,estarem hoje bloqueadas pelo equilíbrio absurdo da impotência?"

Sem comentários:

Enviar um comentário